ÚLTIMA HORA: Jorge Gante abandona a VLL

Jorge Gante escreveu:Hoje sonhei com a nossa praia. Lembras-te? Aquela noite. Aquela noite em que te fui buscar ao hotel sem saber muito bem porquê, com o pensamento que serias apenas mais uma pessoa de quem acabaria por me aborrecer e por arranjar uma desculpa para me afastar tempos mais tarde. Mas não. Naquela noite, em que eu te preenchi a cintura com os meus braços e aconcheguei-te no silêncio das ondas. E vi-te sorrir. Sorriste para mim. Nessa noite vi pela primeira vez o teu sorriso. Talvez se fosse hoje ficaria chateado contigo pelos calções minúsculos que tinhas vestido. A verdade é que desde essa noite, na nossa praia, que te amo. Provavelmente não da forma como te amo hoje, mas amava pelo menos o facto de te poder fazer sorrir.

Não te vendeste a mim. Nunca tivemos a dita fase de engate ou de paixão pura. Eu nunca estive apaixonado por ti. Sempre te amei. Saltámos tantas fases clichés só para podermos estar juntos mais depressa. Eu nunca me senti na posição de te seduzir. Não o merecias. Valias tão mais do que um mero engate de um gajo qualquer. E o nosso amor acabou nisto, num duelo entre a razão e o medo de não existir razão para o nosso amor existir.

Mas as luzes apagaram-se. E agora o Amor não existe. Eu não existo. Tu não existes. O Amor encheu-me o peito de ar para me colocar uma corda à volta do pescoço a seguir. Com uma palavra amei-te e amei o Amor, e essa palavra é Amor. Mas agora o Amor não existe mais.

Não sou ateu por opção. A minha vida inteira precisei de um deus que me fizesse acreditar em coisas tão simples como o Amor e a Paz. Mas onde pairam essas crenças se nunca nenhum deus quis nada comigo? Acho que os deuses me temem tanto como eu os temo a eles. Somos inimigos, e nunca nos poderemos unir. Este mundo separou-nos, e não o censuro por isso. Mas sempre precisei de um deus. De um deus que me ensinasse a amar-te até ao fim dos meus dias. De um deus que me ensinasse como fazer-te feliz. Foda-se, precisei de um deus que me deixasse proteger-te até a minha vida se tornar morte. Precisei de um deus, e precisei de ti, meu amor. Porque eu chorei, porque eu gritei, porque eu bati o pé, e tu nunca me ouviste. Precisei de um deus que criasse um amplificador dos gritos do meu coração no teu peito. Dessa forma entenderias o quanto sofri por ti e o quanto te queria bem. Mas tu continuaste sem ouvir-me, por isso de que me serviria este deus agora?

A felicidade paradoxal que criaste em mim. Construías com esse teu sorriso desconcertado. Depois, deixavas-me apodrecer em ruínas húmidas ao lado da solidão dos teus actos que nunca existiam. Estava destinado a isto: à morte do meu amor-próprio para que todo o amor que vivesse em mim ser exclusivamente teu.

Fizeste do monstro um homem. Mas dói ser homem, confesso-te. É tão mais fácil ser um monstro. Dói ser homem, mas dói abissalmente mais ser um homem que tu criaste e continuares a ver-me como o monstro que fui. Dói, amor, dói muito. Dói teres feito de mim um homem, um homem que continua a ser um monstro quando não o tratas como homem. Mas tu, que outrora me salvaste, agora estás mais preocupada em salvares-te a ti mesma.

E agora, nesta estação cheia de emoções que não quero sentir, espero pelo último comboio. Em meu redor não há ninguém. Estou completamente só nesta estação onde espero por algo que me leve para sempre, que me faça deixar de sentir. Mas devo eu acreditar? Devo eu acreditar que mesmo a partir, deixarei de pensar em ti? Ainda penso tanto em ti. E eu só queria parar de chorar as alegrias que não sinto e sorrir todos os monstros que vivem enjaulados dentro de mim. Gritam que me odeiam. Que sou uma merda. Mas mais ninguém os ouve nesta estação onde espero sozinho pelo último comboio. Devo eu acreditar? Devo eu acreditar que no momento em que as portas do último comboio se abrirem, vais pensar em mim como eu vou pensar em ti? Devo eu acreditar? Devo eu acreditar? Devo eu? Acredita, foda-se.

Adeus. Estou a ir-me embora. Não implores ao teu deus para me trazer de volta. Nem ele será capaz.